(Oh-oh-oh--oh-oooh!)
I want your love and
All your lover's revenge
You and me could write a bad romance
(GAGA, 2009)
Pense em todas as grandes histórias de amor conhecidas. Romeu e Julieta - ficção. Ron e Hermione - ficção. Vampiros com peito de tanquinho e mórmons - infelizmente, ficção. Só uma história de amor real foi eternizada pelos livros de história: a de Helena e Páris, a história de amor que fundamentou um dos maiores épicos da humanidade, A Ilíada, ou A Odisséia, não importa qual é qual, queridos leitores, isso é frescura. O que nos interessa aqui é justamente o método pelo qual esses dois pombinhos conseguiram sobrepujar o tempo e chegar até nós, algo impensável em um tempo de fama fluida. Mais de dois mil anos de fama, vocês conseguem entender a profundidade filosófica disso? Não, queridos leitores, nem Madonna, nem Elvis e Michael juntos somam dois mil anos de fama, de paparazzi, de amor social. E vocês também podem alcançar o segredo desses amantes, astutamente revelado pela mais nova deusa do pop, Stefani Joanne Angelina Germanotta, aka Lady Gaga.
Historiadora perspicaz em seu tempo livre, a diva revela os segredos que muitos de nós, intelectuais, achávamos estarem encerrados para sempre dentro das muralhas caídas de Tróia - como foi que dois jovens irresponsáveis causaram tanto auê dentro e fora da Hélade. Caught in a bad romance, a ídola assinala. Devemos, no entanto, atentar para esse aforismo. A monarquia sempre foi chegado a um plus one. Para não nos desfocarmos, podemos somente adentrar o rígido inverno russo, no qual Catarina era obrigada a encontrar quem se dispusesse a esquentar-lhe o leito, conjugal ou não. Assim, caros leitores, o segredo para a Fama Eterna não se restringe a um mero e clichê affair real, tampouco a uma mera fuga apaixonada, o que acontece todos os dias na Albânia e ninguém se importa. O marcante aqui, adoráveis leitores, é a conjuntura de todos os elementos, o que eu, com minha notável inteligência cartesiana, consegui dissecar em uma esquematização básica que lhes trago, para que cada um de vocês consiga a Fama Eterna que eu, como a mais brilhante mente pensante da atualidade, já obtive. Dessa maneira, para ser sempre manchete, do Gazeta de Atena até a As Últimas do Anel de Saturno, faz-se necessário:
a) Ser parte de uma monarquia próspera
Não, o fato de você, caro leito, ser filho do rei do petróleo não diz nada. Ninguém depois de Fitzgerald se interessou pelos novos-ricos. A Fama Eterna pressupõe classe, berço de ouro e mamadeiras de madrepérolas.
b) Ser a mulher mais linda que o mundo ocidental já viu
Não falamos aqui no charme de Cleópatra, no bigodim sexy da Frida; não. Nem tente andar fumando e ter uma relação promíscua com um velho existencialista: nada disso adianta. Você, querida leitora, tem de ser, dentro dos moldes geométricos ocidentais, a mulher mais linda que o mundo já viu, custe (e nunca essa expressão foi tão apropriada) o que custar com Pitanguy.
c) Ser um princípe regido mais pela testosterona que pela coroa real
Ajuda ter um irmão obviamente melhor que você em absolutamente tudo, para ficar ainda mais claro o quão idiota você é: nenhum homem jamais entrou na história por ser inteligente. Não com foto, e entrar pra história sem foto é a mesma coisa que ser um economista/escritor/filósofo famoso: ninguém vai lhe reconhecer na rua, caro leitor, motivo pelo qual não faria nenhum sentido ter estudado tanto.
d) Ser casada com um rei tirano irmão de outros reis tiranos
Não basta ser casada com um monarca, se a sua idéia, cara leitora, de nobre guerreiro é o decrépito príncipe Charles. Assim procedendo, o ápice da sua fama será a sua morte, e em poucos anos, os tablóides estarão mais interessados em seu filhinho fantasiado de Hitler que em sua epopéia real.
e) Fazer o obscurantismo religioso exercer um papel fundamental na história
Nada de dizer "a gente se ama e vai ficar junto", isso não dá audiência, caros leitores. O que se necessita aqui é de uma guerra de vaidades entre deusas, apostas, chantagens, suborno. Se a massa em seu entorno faz parte de uma religião mais monótona, digo, monoteísta, isso não é razão para desanimar: seu deus sempre pode apostar com o diabo sobre a sua condenada alma, ou mandar você e o/a bem-amado/a para um deserto cruel, porque um de vocês comeu uma fruta (quanto mais ilógico, mais e melhor pega no imaginário popular. Essa história da fruta, por exemplo, como os mais atentos leitores já perceberam, está a dois mil anos sendo cochichada por aí, e todos os anos rola uma entrevista e outra sobre o assunto - há até boatos de que Eva vai sair na playboy vestindo somente uma folha - sucesso total ao alcance de suas mãos!).
f) Criar uma guerra mortífera que devaste o seu país
Não é só de sangue azul, deuses cheios de birras e amor que vive a História. A guerra é essencial para sublinhar seu nome e colocá-lo dentro da Fama Eterna. A falta desse quesito fará de sua vida nada mais que uma breve manchete da Fernanda Zaffari ou, com alguma sorte, do Perez Hilton. Já uma grande guerra assassina milhares, mas também, e esse é o seu mais importante papel, glorifica alguns. Se todos os outros elementos já foram preenchidos, não tenha dúvida: grite sobre como o país ao lado é imperialista ou sobre como Itaipu devia ser todinha de seu país. Invente algum adesivo cretino ao estilo de "We support our troops" e mande a Estrela triplicar a fabricação de soldadinhos, a Disney criar animações patrióticas. Leve ao forno. Sirva quente.
g) Terminar a guerra com uma estratégia no mínimo controversa
Imagine uma reunião do Hamas, em que um barbudo levanta o dedo e sugere: quem sabe a gente constrói um cavalo de madeira, nos escondemos lá dentro e esperamos que os judeus nos levem até o centro de Tel Aviv para, à noite, destruí-los com a nossa mais avançada tecnologia em guerras: as pedras que sobraram das nossas intifadas mortíferas. Quais as chances dessa tática ser aceita? Quais as chances dela funcionar? Por que um judeu levaria um cavalo de madeira para Tel Aviv? Fama Extrema, meus caros, exige medidas extremas.
Como aponta a nossa diva do dia, é preciso investir em um bad romance para que se possa romper as linhas temporais do sucesso, linhas que duram em média um turno de seis horas, para fixar-se, caro leitor, em uma realização que perdure no espaço, de maneira a encontrar seu próprio rosto todos os anos nos melhores jornais à disposição. Como ainda expõe nossa sábia cantora,
"I want your drama."
(GERMANOTTA, 2009)
(GERMANOTTA, 2009)
Nesse trecho, se lido muitas vezes e com recobrada atenção, percebe-se que há uma ruptura narrativa, em que Gaga passa a enunciar a voz faminta dos espectadores, ávidos por emoções que eles já não são mais capazes, graças ao desenvolvimento da psiquiatria, com sua farmacologia deslumbrante, de produzir. Como expõe Carl Jung, em tradução livre,
"No curso dos anos, mesmo uma vida feliz não pode manter-se assim se não houver uma medida de escuridão, e a palavra "feliz" perderia seu significado se não fosse contraposta pela tristeza."
(Carl Jung, na camiseta de um estudante de psicologia).
Como a revolução farmacológica dos anos 90 conseguiu erradicar dos seres humanos qualquer tipo de sensação real, transformando a tão-sonhada soma arquitetada por Huxley em uma realidade palpável e sensacional, é imprescindível que a tristeza pela qual se mede a felicidade chegue até a audiência por meio de terceiros - e é aí, caro leitor, que você deve espreitar por uma oportunidade de aparentar tristeza e, com isso, gerar muita FAMA.
Para encerrar com maestria, nossa filósofa sob análisa interpõe:
Nesse excerto, pode-se verificar que nossa musa agrupa todos os elementos já observados, de maneira a reconhecer que o caminho para o reconhecimento compõe-se basicamente de I) uma história de amor, II) uma vingança temível vinculada ao amor, propagada pelos amantes de um dos personagens enamorados, o que gera, como produto inegável, III) a perpetuação de um épico da civilização ocidental, épico que continuará a encantar e a comover gerações de intelectuais pedantes por toda a História. Assim, caro leitor, não se desanime se não encontrar o Grande-Amor-Eterno. Muito melhor optar pela fama inesgotável de um bom bad romance.
Para encerrar com maestria, nossa filósofa sob análisa interpõe:
I want your love
And all your lover´s revenge
You and me could write a bad romance
(GERMANOTTA, 2009)
(GERMANOTTA, 2009)
Nesse excerto, pode-se verificar que nossa musa agrupa todos os elementos já observados, de maneira a reconhecer que o caminho para o reconhecimento compõe-se basicamente de I) uma história de amor, II) uma vingança temível vinculada ao amor, propagada pelos amantes de um dos personagens enamorados, o que gera, como produto inegável, III) a perpetuação de um épico da civilização ocidental, épico que continuará a encantar e a comover gerações de intelectuais pedantes por toda a História. Assim, caro leitor, não se desanime se não encontrar o Grande-Amor-Eterno. Muito melhor optar pela fama inesgotável de um bom bad romance.